segunda-feira, 2 de junho de 2014

O lirismo gregário de Naldinho Braga
artigo escrito por  A d e i l d o   V i e i r a
A primeira vez que ouvi suas canções não tive outra palavra para classificar sua obra. É singela! Foi o que senti, reivindicando a singeleza como um fundamento da poesia calcada nas imagens infantis, quase ingênuas, e por isso mesmo carregada de uma pureza que nos eleva à grandeza do ser humano quando se curva ante a beleza de uma flor. Mas que compositor era aquele que me chamava pra entoar cantigas de roda que giravam ao som da distorção de guitarras? De onde vinham aquelas melodias de ninar todas as idades que ornamentavam poemas de rua encantada?
Conheci Naldinho Braga quando integrante do grupo “Tocaia da Paraíba”, onde exercitava, ao lado do compositor, arranjador e cantor Erivan Araújo, uma instigante alquimia inventiva que resultava numa profusão de sonoridades capaz de nos levar à dança em cometimentos de jazz sertanejo ou mesmo tanger bois imaginários ao som de neoaboios. Tempos depois fui presenteado pelo compositor com um cd do grupo “Apocalipse”, do qual era contrabaixista e que o denunciava como devoto do rock. Ainda mais tarde, o descobri como pesquisador da cultura popular, trazendo a luz para bandas cabaçais que insistem em manter-se vivas no sertão da Paraíba.
Essa trajetória plural de expressões aparentemente não miscíveis criou um compositor singular, pois as influências colhidas das raízes e antenas da cidade de Cajazeiras, onde mora no alto sertão paraibano, moldaram um criador que não nega os códigos da modernidade ao mesmo tempo em que deixa claro que as bases de sua obra estão mesmo nas cantigas de roda de sua infância e nos emocionantes traçados melódicos dos folguedos populares, sagrados e profanos, de todos os quadrantes da Paraíba. O resultado disso é uma ode que, no viés de ornamentos do rock, exalta a nossa cena regional, indo bem fundo numa lírica que se aprofunda em conteúdos gregários, insistindo na valorização de personagens preciosos da nossa cultura popular e reivindicando um mundo igualitário onde “nobres e plebeus frequentem a mesma cozinha e comam da mesma farinha”. Entre reisados e maracatus, áfricas e sertões, a elevação das melodias do popular sagrado e a agressividade das guitarras distorcidas, a luz de Vó Mera e a fé de Zé Rezador, o que se mantém intacto em sua obra é a presença dos códigos nordestinos que nos encaminham pra dança e pras emoções que fazem nossas festas do litoral ao sertão.
Carro de Lata é o nome da banda que criou para carregar suas criações. Composta por jovens músicos, esta agremiação de talentosos garotos dão a cor para as composições do compositor que humildemente empunha o contrabaixo nas apresentações em que quase não aparece. Pois bem, quem se deleita ao som do “Carro de Lata” talvez sequer perceba que por trás daquele humilde contrabaixista se manifestam sucessivos cortejos populares que, em procissão, anunciam uma vida possível sob os parâmetros da igualdade e respeito à diversidade. Naldinho não canta sua obra e nem reivindica os holofotes para o seu umbigo. Com certeza ele sabe que ver a luz distribuída nos momentos de fruição da sua música vem a ser um manifesto de alegria espalhada nos palcos, carregada pelo carro de lata que conduz nossos sonhos de infância e que exalta uma música inoxidável, imperecível ante os corações que se permitam à visitação da pureza da alma de uma vida popular.
Em seus enunciados líricos, Naldinho compôs a canção que eu queria ter feito pra filha que eu não tive. Nela o compositor põe um rei aos pés do desejo de festa de uma menina. A canção diz: “A menina foi pedir pro rei mandar me avisar / era dia de festa, tocador não podia faltar…”. E pra tocar minhas emoções mais profundas, continua: “era eu quem ela mais queria / senhor rei mandou me chamar…”. A canção termina com a menina sorrindo no meio da praça e com lágrimas nos olhos deste colunista. É que o mundo que eu desejo se resolve nos ingênuos desejos de festa de uma criança, onde eu possa ter o privilégio de empunhar meu instrumento.



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