Ica e o teatro em Cajazeiras nas
lembranças do ator Buda Lira.
lembranças do ator Buda Lira.
Foi o meu segundo ou terceiro contato com um espetáculo de
teatro. Batia pernas pelas ruas da cidade, como costumava fazer entre 1970 e
1971, em Cajazeiras, se a memória não falha, acompanhado da turma do ginasial
do Colégio Estadual, tarefa facilitada com a ausência do Major, que chefiava a
Coletoria do Uiraúna. Os primeiros foram os genuínos dramas circenses do Gran
Bartolo Circo, que aportava na cidade, onde hoje está localizado o Chamegão, ao
lado do Tiro de Guerra.
Nessa noite, passávamos por acaso pelo Cine Teatro Apolo(*),
quando entramos de leve pra saber o que rolava. O porteiro respondeu que não
era cinema, era um drama. Entramos, ficamos em pé, por trás das últimas
cadeiras, pois facilitaria a fuga, em caso de desaprovação. O fato é que fomos
ficando e acabei sentando e vendo até o final o espetáculo Dona Xepa, peça de
Bloch e dirigida por Dona Ica.
As informações sobre o autor vieram muito depois, mas a
direção e o elenco, essas tomei conhecimento imediato e ficaram grudadas na
memória. Demorei a acreditar no fato de que um rapaz do cartório(Ju Coelho),
um funcionário de banco (extraordinário ator Mesquita), uma professora,
Francisquinha Costa, Laci Nogueira, dentre outros, fizessem um teatro tão
encantador como aqueles do Teatro de Amadores de Cajazeiras. Iguais, só nos
cinemas e por isso a minha descrença de que essas pessoas fossem mesmo de
Cajazeiras.
Acho que, antes, no centenário da cidade de Cajazeiras, em
1964, vi na escadaria principal do açude grande, que faz com a Praça João
Pessoa uma caixa acústica de primeira, o Auto da Compadecida, com a
participação dessas e de outras figuras da terra. Não estou bem certo se vi
mesmo esse espetáculo. Jarismar, amigo do meu pai Major Chiquinho, trabalhando
com ele na Coletaria nesse período, também estava nesse espetáculo. Não sei se
foram as fotos que vi depois ou se eu mesmo vi a peça.
Vi, depois de algum tempo, a ousada montagem de Édipo Rei,
também dirigida por Dona Ica. Nesse espetáculo já despontavam pessoas mais
próximas, como Antônio Carlos Vilar, colega de turma do Colégio Estadual e,
depois, eterno amigo e compadre.
Francinaldo, primo por parte mãe, e boa pinta que marcou a
geração dos anos de 1970, bailes do Tênis Clube e Semanas Universitárias,
estava no elenco. Lembro que Dona Ica fazia o papel de quem narrava o desfecho.
Até onde a vista da minha memória alcança, ela fez a ponte
entre o Teatro de Estudantes da década de 1950, que teve como figura de proa o
Hidelbrando de Assis, trazendo para a cidade a sua experiência no Curso de
Teatro da UFRJ e passagem pelo Rio de Janeiro, na efervescência cultural que
viveu naquela cidade entre 1950 e 1960.
Essa ponte se manteve com o surgimento do Grupo de Teatro
Amadores de Cajazeiras (Grutac), com os irmãos Assis – Ubiratan, Clizélia e
Clizenite, – e mais Beto Montenegro, Antônio Carlos, Hermes Felinto, Geraldo
Ludugero, Tarcísio Siqueira… Esse último acabou fundando outro grupo, Movimento
de Teatro Amador de Cajazeiras (Metac), onde acabei fazendo um espetáculo, depois
de debutar na Paixão de Cristo.
Dona Ica teve uma postura de vanguarda, fazendo teatro,
rádio, participando ao seu modo da vida política e social da cidade, quando
para mulher estava reservado outro papel, mais discreto, submisso mesmo aos
ditames do “chefe” da família.
Péric1es Brocos Pires Ferreira, o “Pepé”, filho de Ica, veio
estudar justamente no Colégio Estadual, a partir do terceiro ano ginasial. A
partir daí, formamos uma turma que se manteve ligada por muito tempo, mesmo os
que não estudavam no Estadual. Esse núcleo de estudantes, além de participação
no teatro amador, produziu um jornal (mimeografado) como forma de inserção na
vida política e social da cidade.
Mas, tem um episódio, bobo mesmo, que lembrei agora.
Estávamos na casa de Pepé, jogando conversa fora, quando ele nos levou até um
cômodo da casa, no primeiro andar, para mostrar um aparelho elétrico, usado
como espécie de delineador. Inventei de usá-lo, coloquei a faixa de pano na
cintura e apertei o botão. A fricção da faixa em volta da cintura provocou
cócegas suportáveis, mas, pra tirar onda, ensaiei um “miado”, num tom acima do
normal, o suficiente pra acordar Dona Ica, ainda no meio da sesta. Ela veio em
cima de Pepé, perguntando que frescura era aquela. Pepé entregou na hora, “foi Buda”.
Bom, desceu todo mundo com o rabo entre as pernas e fomos
pra outra freguesia, não sei se na casa de Juninho, de Sabino Filho ou na
“praça dos asilados”, a Praça João Pessoa.
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fonte: Correio das Artes, nº 7, ano LXIV, Set./2013
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