Cajazeiras no tempo em que o artigo foi escrito. Imagem do Cine Éden |
já em clima de natal, transcrevo abaixo um artigo do jornalista cajazeirense Nonato Guedes, publicado no Jornal A União, em 25 de dezembro de 1983 – há 30 anos, atrás. Nele Nonato (que na época tinha 25 anos) usa de toda inteligência argumentativa para expor e fazer de forma contextualizada, um suscito comentário, sobre as políticas dos países considerados de primeiro mundo, no campo da corrida armamentista. O jornalista, no artigo, descreve fatos, comenta noticias e faz uma relação entre o clima natalino de 1983 e a angustia que passava as sociedades mundial da década de 80, com a queda de braço da chamada "Guerra Fria", que ameaçava a paz no planeta. Vale apenas ler e fazer uma viagem sobre o que rolavam no mundo, no natal do ano de 1983.
Nonato Guedes.
No natal de 83, as imagens mais
fortes que ficam são as do “The Day After”, o documentário cinematográfico que
descreve o holocausto nuclear e que, ao ser exibido nos Estados Unidos,
tornou-se um pesadelo para milhares de pessoas ainda mal refeitas das tragédias
anteriores. A explicação para o pânico é simples: a possibilidade de uma guerra
nuclear era, até pouco tempo, apenas uma miragem a rondar cabeças em todo o
mundo.
Nos últimos anos, as sociedades
constataram que se tratava de uma ameaça real e decidiram que se impõe algum
tipo de reação, diante da desenvoltura com que as chamadas grandes potências
acumularam forças, ampliam arsenais e perseguem uma superioridade cada vez mais
distante do equilíbrio desejado.
O exemplo dos sintomas de reação
que está havendo, pode ser sentido na multiplicação dos grupos pacifistas em
inúmeros países e das gigantescas manifestações de rua que tentam pressionar os
líderes das potências a abandonar essa corrida obsessiva pelo armamento. A luta
pela paz deixou de ser um eufemismo romântico de gerações adolescentes para se
transformar num instrumento de defesa de todas as gerações, intimidades com a
sensação iminente da destruição total.
Essa resistência cresce na medida
em que, os dirigentes dos atuais sistemas políticos prosseguem na medição de
forças desenfreada, empenhando fortunas e mais fortunas na invenção de
equipamentos para uma guerra que só eles desejam. A militarização dos Estados
tornou-se uma constante nas últimas décadas, na mesma proporção em que
emagrecem nos orçamentos as verbas para programas sociais e investimentos de
consumo público e em que o padrão de vida deteriorou-se a níveis alarmantes.
Os preparativos para o confronto
são cada vez mais acelerados – e até países como o Brasil, que deveria
concentrar suas energias na busca de meios para resgatar uma monstruosa dívida
externa e melhorar a qualidade de vida do seu povo – candidata-se a uma vaga no
famoso “clube da bomba” – um grupo elitista e dominador. As sociedades restam
apenas o direito de esboçar gritos de sobrevivência, evitando ceder ao
pessimismo fatalista de que a sorte da humanidade está deliberada por
antecipação. E cada uma reage como pode – Agora mesmo, num longínquo país,
grupos de moradores reuniram-se e decretaram o suicídio coletivo para quando
estourar a bomba. Como num espetáculo macabro, a comunidade decidiu em votação,
que no dia “D”, antecipando-se aos efeitos da destruição, lançará mão de um
soro letal que provoca menos agonia do que o petardo nuclear.
São, como se vê, tentativa
desesperada que refletem as experiências traumáticas vividas desde agora por
multidões assustadas e desprotegidas em todo o mundo. Enfim criou-se a
consciência de que só uma mobilização oriunda de uma correte nova de forças
pode garantir a defesa de todos contra os tentáculos da dominação totalitária.
Do contrário, virá o caos absoluto.
Mas o natal de 83 convive com
outras imagens dantescas – e mais próximas, entre as quais o espetáculo da
fome, da miséria, do desemprego, como corolário das políticas recessivas
geradas pelo imperialismo econômico. Ou, então, o esmagamento do indivíduo pelo
Estado, provando que as profecias de George Orwell não só eram infundadas como
se materializaram antes da data-limite.
A caricatura do “Grande Irmão”
descrito por Orwell parece estampada na face dos governantes em todo o mundo,
que agem sob formas distintas, mas com motivações idênticas. O Estado, é, hoje,
o grande monstro devorador de indefesas criaturas. E se por um lado a década de
80 marca uma tomada da consciência coletiva sobre a dimensão dos tentáculos do
Poder em relação à massa humana por outro revela quão impotentes são as pessoas
para dominar essa engrenagem.
Não deixa de ser melancólico que
o Natal continue sendo opressor, na medida em que acentua de forma flagrante os
contrastes entre uma minoria iludida, prisioneira do reino da fantasia, e
maioria realista, que, de pés no chão, sente saborearem-se cada vez suas
aspirações dignidade humana. Como se de fato, estivéssemos todos a caminho do
matadouro, da extinção da espécie.
fonte: Jornal A União – 25 de dezembro de 1983.
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