Como era o Teatro Ica antes da reforma. |
Não me
amarro em datas. Basta a do meu nascimento, que envelhece mais do que a do meu
aniversário, agora sem comemoração, porque virou “adversário”. Por isso não me
reporto a tal ou qual ano da minha vida de atividades culturais por essa
Paraíba afora, com paragens obrigatórias em Cajazeiras, “Onde, em práticas sem
fim./ Deambulam as Musas:/ Na alma…”, como diria o poeta Manuel Bandeira.
Mas ainda lembro, foi na década de 1970, quando recebi a
incumbência da Confederação Nacional de Teatro Amador (Confenata) de fundar a
Federação Paraibana de Teatro Amador (FPTA), na idade dos vinte e tantos anos,
que me tornei um “cajazeirado”. Quando eu não ia a Cajazeiras, Cajazeiras vinha
a mim, pois a cajazeirada toda que morava em João Pessoa ou estudava em Recife
baixava, nos fins de semana, na minha residência ou, depois, na casa de Beto
Montenegro, com quem eu e o meu compadre Germano Mousinho passamos a dividir
uma moradia nos Bancários.
Como
tal, digo, como “cajazeirado”, apeguei-me às aspirações e pretensões do povo
cajazeirense, principalmente no tocante à área cultural, principalmente quando
o Grupo Boiada, tendo à frente Gutemberg Cardoso, montou a peça “A Cara do Povo
do Jeito Que Ela É” (à memória de Paulo Pontes), de minha autoria; fiz-me
presente nos movimentos em prol da construção da sua casa de espetáculos e,
inevitavelmente, criando raízes de amizade e de identidade.
Nessa
onda, conheci uma pessoa que, pela sua irreverência e liderança, despojada
voluntariamente e com nítida sinceridade das suas condições de ser de família
tradicional e de classe muito altamente favorecida, estava à frente de tudo que
tivesse a bandeira do progresso e do desenvolvimento de Cajazeiras: Íracles
Brocos Pires, popularmente conhecida como Dona Ica, que me permitiu chamá-la
simplesmente Ica.
E lá ia
ela, nos auditórios, nas emissoras de rádio, nos colégios, onde quer que
houvesse quem lhe desse ouvidos, quase sempre com Telma Cartaxo atrelada aos
seus propósitos, plantando a esperança e a fé em novos dias para a cultura e,
de modo geral, para a população de Cajazeiras.
Quando
possível, eu também ia a reboque, principalmente quando se tratava das
atividades teatrais, porque era a minha área e também por interesse da
Confenata. Tanto é que, fundada a FPTA, conseguimos eleger o cajazeirense
Ubiratan di Assis seu primeiro presidente.
Porta
aberta, fui entrando, como cachorro em igreja. Participei pioneiramente do projeto
“Caja-já”, responsável por replantio de 200 mudas de cajazeiras no centro da
cidade, e fui sócio-fundador e membro da diretoria do Centro de Tradições de
Cajazeiras (CTC). Mas a satisfação maior veio com a construção do Teatro
Íracles Pires, que também passou a chamar-se, na voz de Deus (quero dizer: do
povo), “o Ica”.
Minha
amiga Ica - amiga de todos nós que a admirávamos, quase a idolatrávamos, digo
no plural porque nenhum de nós lhe era singular por exclusividade - eu e ela
nos distanciávamos por 12 anos, mas ela se fazia igual a mim e a todos mais
jovens do que eu, porque ela se rejuvenescia e se rejovializava em seu
entusiasmo, na sua coragem, na sua dedicação às causas que abraçava e a que a
todos nos levava.
Por
termos estado, em algumas situações, tão juntos, como lutar pela construção do
teatro de Cajazeiras, que cheguei a ser confundido como um dos “jovens
engajados nessa ideia” ao lado de “Íracles Pires - atriz, teatróloga e,
sobretudo, amante das artes em geral” (PALMEIRA, Balila. Os Teatros da Paraíba.
João Pessoa: Academia Paraibana de Poesia; Instituto Histórico e Geográfico
Paraibano, 199, p. 98), quando eu não fui sequer um pingo d’água no oceano de
competência, liderança, sabedoria e prestígio que foi a minha inesquecível
amiga Ica.
Não foi por acaso que nominei Íracles, carinhosamente Ica, a minha filha nascida no ano da inauguração do teatro que, por reconhecimento e justiça, mereceu nome daquela ilustre e memorável cajazeirense. Quem conviveu com Ica, não importa qual tenha sido a data, viveu um grande tempo. Porque, como ela bem o diz em seu livro autobiográfico, que continua inédito, ela viveu todo o seu tempo, lamentavelmente tão exíguo pelo que ela precisava e merecia viver.
*ALARICO CORREIA NETO é jornalista, autor, ator e diretor teatral.
fonte: Correio das Artes-Ano LXIV, n° 07, setembro/2013
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