Por Nadja Claudino
Capa do Romance Joana dos Santos |
O escritor Ivan Bichara |
28 de setembro de 1926, um menino de oito anos de idade se
esconde debaixo da cama dos pais. Ele e outras crianças estão acuadas a espera
do ataque do bando de cangaceiros liderados por Sabino Gomes (subchefe do bando
de Lampião, o temível e famoso Rei do Cangaço). A cidade de Cajazeiras está em
suspense à espera dos homens selvagens que viriam do mato, prometendo todo o
tipo de destruição, caso não fossem obedecidas as suas exigências.
O sol quente, o calor abafado são alguns dos elementos menos
perceptíveis nessa tarde de medo e ansiedade. Os homens testavam as armas,
procuravam pontos estratégicos para a defesa da cidade. Na igreja, o bispo
defendia sua fé, rezando, pedindo aos céus intervenção para que Nossa Senhora
da Piedade protegesse a cidade, os homens, e mesmo os cangaceiros – que fossem
eles embora com a graça de Deus. Os cangaceiros nas cercanias da cidade
esperavam o melhor momento para atacar; o povo esperava o ataque. A cidade
estava sofrendo com a espera angustiada.
Sabino Gomes |
O menino embaixo da cama se chamava Ivan Bichara Sobreira,
que muitos anos depois escreveu um livro intitulado Carcará, romance que conta
essa história acontecida em Cajazeiras, Alto Sertão da Paraíba, em uma distante
tarde do mês de setembro de 1926. O romance mostra uma Cajazeiras orgulhosa da
sua história, por ser uma das maiores cidades do sertão, rota de ligação da
Paraíba com o Ceará, cidade símbolo da educação. Terra de famílias tradicionais
como os Rolim, Albuquerque, Sobreira, Bichara. É essa cidade e são essas
famílias que estão sendo ameaçadas por um grupo de cangaceiros, personagens que
tanto atemorizavam a região sertaneja da década de 20 até meados de 1940,
quando a morte de Corisco baniu o último dos cangaceiros.
Podemos pensar no pavor que acometia todas essas famílias,
preocupadas com o destino dos seus homens e suas mulheres, caso caíssem no
poder dos cangaceiros. A perversidade dos cangaceiros era altamente propagada.
Os estupros de mulheres casadas e até de moças virgens, a castração dos homens,
a mutilação da língua dos traidores que falavam demais, os bailes que os
cangaceiros promoviam depois da vitória, fazendo as mulheres mais respeitadas
da sociedade dançarem nuas na frente dos filhos e dos maridos. Verdade ou
invenção eram essas as histórias que corriam de cidade em cidade. E por conta
disso os homens que protegiam Cajazeiras estavam em uma guerra de vida ou
morte, de glória ou de humilhação. Ivan Bichara, traduziu esses acontecimentos
que marcaram tão profundamente sua infância por meio da literatura. O moço Ivan
como muitos rapazes do seu tempo sai de Cajazeiras para terminar seus estudos e
se forma na Faculdade de Direito do Recife. Volta à Paraíba e começa uma
carreira política promissora, sendo eleito em 1946 para a Assembleia
Legislativa, em 1955 se elege deputado federal e, em 1975, é escolhido pela Assembleia
Legislativa governador. Ivan Bichara integrou um time seleto de políticos
escritores da Paraíba, a exemplo de Ernani Satyro, José Américo de Almeida,
Ronaldo Cunha Lima, dentre outros, que assumiram o governo do estado e deram
importante contribuição às letras paraibanas.
Cajazeiras nos tempos de Sabino Gomes |
O romance Carcará toma Cajazeiras como representativa de
muitas cidades do interior do nordeste que foram atacadas por bando de
cangaceiros. A verdade é que as cidades do interior eram desguarnecidas, os
meios de comunicação eram incipientes e não conseguiam tirar do isolamento os lugarejos
mais distantes. Esse era um dos fatores por que a maioria das cidades
capitulava frente às investidas dos cangaceiros. Mossoró, no Rio Grande do
Norte, no ano de 1927, expulsou os cangaceiros da cidade, sendo também uma das
primeiras cidades a desafiar o Rei do Cangaço. Esse passado de lutas até hoje é
preservado pela população mossoroense, usada como discurso histórico, político
e cultural. São museus, memoriais, livros, discursos que formulam a identidade
de um povo valente, que não aceitou os invasores. Em Cajazeiras, a expulsão dos
cangaceiros não foi explorada dessa maneira, foi silenciada, esquecida e tem no
livro de Ivan Bichara uma significativa fonte de pesquisa.
O livro traz personagens representativos do universo
sertanejo. São rapazes que na época desejam migrar para os grandes centros e
assim poderem dar continuidade aos seus estudos, moças casadoiras, poderosos
locais como coronéis, políticos, delegados e também a gente do povo, feirantes,
cantadores de viola, que se movimentam e nos prendem nas teias do enredo. O
livro de Ivan Bichara é inspirado em um fato real, que ele soube narrar com
enorme expressão literária, ligando seus personagens à vida de um Nordeste
arcaico, recôndito, lugar de acontecimentos inusitados.
O ataque dos cangaceiros, a ansiedade, o medo das
perversidades, tudo isso envolve o leitor do
fonte: blog de Claudiomar Matias
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