segunda-feira, 15 de julho de 2013

Poesia Estudantil dos Anos 70 em Cajazeiras - Parte IV


             Hoje, dia 15 de julho, faz um mês que começamos a publicar neste blog, em forma de retrospectiva, parte da produção literária de poemas produzidos por jovens estudantes cajazeirenses na segunda metade da década de 70 e começo dos anos 80. Mais do que um “retrô” é também uma justa homenagem que se faz a juventude estudantil de cajazeiras das duas décadas, que através do exercício sensitivo da poesia, caracterizada pelos antigos festivais patrocinados pelo Centro Cívico Olavo Bilac do Colégio Estadual de Cajazeiras, é também um importante arquivo deixado para gerações futuras. Um precioso acervo que demonstra bem a forma como se comportava politico-social e ideologicamente os estudantes daquela época. Nos dias atuais, muitos são senhores bem sucedidos e constituídos socialmente, porém há de convir que resguardam ainda o gosto pela literatura, pelo jornalismo, cultura e arte. Uma prova que as raízes fincadas no trabalho literário do passado, não foram em vão para traçar seus perfis de agora.  




FRANCISCO GUTEMBERG CARDOSO DE OLIVEIRA 

Na época, em que produziu os poemas que segue, o jovem Gutemberg iniciava seus primeiros passos que o tronaria hoje em umas das figuras mais expressiva, do jornalismo e do rádio paraibano. Foi um incentivador direto na concretização do Primeiro Festival Interno de Poesias do Colégio Estadual de Cajazeiras e um dos participantes de quase todas as versões do evento na cidade. Sobre os poemas editados no livro “Raízes – Poesias” o jovem Gutemberg afirmou ao editor Luiz Alves: “fazer poesia pra mim é uma maneira de dizer de forma artística aquilo que eu penso sobre as coisas deste mundo tão conturbado”. E conclui: “Sempre aproveitei os festivais de poesias para fazer sérias denúncias, principalmente contra a repressão e a tortura, problemas muito sentidos pela juventude”.







COMO SORRIR?

Sim, como sorrir,
se no momento estou tão sério?
Sorrir,
se o time do custo de vida goleia a salário de dez a zero?
Sorrir,
se ligo meu rádio e tem assalto,
sequestro e estou fazendo poluição?
Sorrir se alguém bate a porta
e pede uma esmola: “pelo amor de Deus ajude teu irmão!”
Como sorrir,
se estou com uma dor corroedora no meu estômago desabilitado?
Como sorrir,
se na rua só se fala em inflação,
crimes e futebol, e quando volto encontro o coletivo lotado?
Mas sorrir, como,
se amanhã chega o cobrador insolente
e não tenho dinheiro.
Sorrir,
sorrir se meus filhos não me conhecem mais,
pois saio às 4 e retorno às 12,
como um forasteiro.
Sorrir,
se o mundo está sobre ameaça da bomba
alertadora e de pavio curto.
Como sorrir,
se compro a pílula para minha mulher assassinar nosso próprio filho?
Sorrir num mundo de crises:
do petróleo, da alimentação, da inflação...
E doenças a matar.
E não consigo sorrir.
Enfrento a realidade, baixo a cabeça.
E vamos chorar?
Não.
Levanto a cabeça e vamos lutar.

HOJE

Hoje... É um dia qualquer
 Hoje nasceu mais um ser
  Hoje morreram crianças
   Hoje rompeu-se um contrato de paz
    Hoje foi praticado um aborto
     Hoje no campo santo mais placas de jaz

Hoje haverá teste de bomba
 Hoje houve conflito radical
  Hoje tem na prisão nove tipo de tortura
   Hoje o terremoto matou centenas
    Hoje houve mais um defloramento

Hoje sequestraram o filho querido do pai milionário
 Hoje mais um disco voador foi visto
  Hoje o camponês desmaiou de fome
   Home, um homem na lua, outro em marte

Hoje se androgenou aquele que era homem
 Amanhã ocorrerá o mesmo de ontem
  Ontem os ocorridos de hoje os superam
   E no futuro? Ah!... No futuro...
    Cinzas! Cinzas! Cinzas! Nada mais.

FRANCISCO JOSÉ

No passado do subúrbio da vida
o filho da miséria surgia do relento sul
seu mundo era o mundo
imundo ele vivia na classe do descalço nu

Pelezinho da zona, tropeiro do destino
não imaginava carreira tão curta, ainda menino
no campeonato da vida, o jogo final cede chagou,
em seu fadário infeliz que a mão da sorte traçou

Na partida da partida, do desencontro da dor
a voz sofrida do povo, o lança fatal narrou

O pequeno penetra
no campo da vida
inocente nos lábios
barriga vazia
Zé buscava a bola
e o jogo corria
a maldade surgia
num lance covarde
penetra na área
aos vinte e um
da etapa mortal
atirou de cabeça
juiz não olhou
e agosto corria
e julho chorava
alguém reclamou
e o jogo parava
sem pena a cumpri
a saudade pagava
e no olho da rua
nas grades da vida
do mundo cadeia
está o culpado
que deixou jogado
no leito da rua
sem bola de meia
e no julgo precoce
do mundo dos maus
você não foi réu,
mais senti o tormento
do final julgamento
que não será lá no céu.

Poema em homenagem ao menor Francisco José, assassinado nas proximidades do Estádio Higino Pires Ferreira, quando tentava pular o muro para assistir uma partida de futebol. O poema foi transformada em música e concorreu a um dos festivais da canção, realizados em Cajazeiras

O PRISIONEIRO

E o mundo corre, e a vida passa...
Eu, eu calado.
seja no canto, seja no campo,
Não me perguntem, estou privado.
De repente me senti culpado,
fui vítima, covarde e herói.
mas descobrir sofrendo e vivendo
que alguém de fome morrendo, em mim dói.

Burlei meu estômago, tapeei a realidade,
camuflei irônica alegria
na magia, cotidiano da dura verdade.
Deitei fome, sonhei liberdade e acordei prisão.
Deitei, porque estava fraco e apático.
Sonhei... E como era boa a liberdade.
Acordei, não! Acordaram-me...
De súbito, olhei e já estava de mãos juntas
injustamente, pois só tentei defender
um direito sagrado, que agora é salgado.

No convívio quadrado: conselho, ameaças,
tortura e opressão, e dizem eles:
pra sua recuperação.
Já marginalizado, a morte era o meu
último e maior desejo
E eu? magro, barbudo, olhos fundos
e já desfigurado.
Mas lá fora alguém esperava o cortejo
Novamente sonhei... e como era bom o livre pensar,
o livre dizer...
Só que neste sonho eu não imaginei
que, sem fôlego, eu teria que despertar
pra novamente dormir e nunca mais acordar.

E partiu o herói que não temia partir.
E o povo chorou, que antes não conseguia rir.
No outro dia, ao romper da aurora da triste manhã,
um pequeno garoto: roupas simples, pés descalço,
um pacote de jornal à mão, corria de um lado para outro
das ruas, com muita aflição:
Extra! Extra! Extra!
“Detento enforca-se misteriosamente na prisão...”

Poesia classificada em primeiro lugar no II Festiva Estudantil Interno de Poesias, realizada em 1976 pelo Centro Cívico Olavo Bilac do Colégio Estadual de Cajazeiras. Uma homenagem ao jornalista Vladimir Herzog, assassinado em São Paulo em 1975, nos porões da ditadura, durante a repressão.


Assim que nascemos,
na barriga levamos um nó da parteira Maria.
E se não morremos do primeiro,
de fome ou epidemia, e preciso coragem
e ser forte para suportar os nós das jornadas que afligem os fracos.

Pedro da fábrica:
na madrugada, na marmita, na lotação e na hora extra
boia tua fria e nua nesta vida neste nó.

José bem segurado:
na fila, na previdência, na doença,
geme curado pela assistência burocrática.
Que nó, que agonia.

Os estudantes:
no quadro no libro, no limite, no sete, na taxa, e no sete.
Com vendas, sem boca, sem poli, sem tica com nó.

As crianças:
na rua, na cola, no lixo, na gang, os gira-mundos
são raquíticos
dos conflitos do pobre contra a pobreza.

Os poetas:
no pó, sol, no canto livre, estamos no sol,
sem corda, sem dó,
apeiado na altura e altura dos senhores sem dó.

Os vagabundos:
na procura, no concurso, na fila, com dez, sem emprego,
mas se aperta o nó.

Chico do subúrbio:
no corpo, na cara, na cana, na lata,
no andaime, no biscate mergulho tragável fugindo do nó.

João lavrador:
na terra, na cova inha,
na planta nua e a colheita é sempre assim.
na distância do roçado é cada vez mais pouco meu bocado.

Todos:
nó no pescoço, na perna, nas mãos, nos olhos,
no nó e na consciência...
Você me desate esse nó!
Não pode... ah! Você também tem nó?
E você pode desatar este nó?
Não quer? Mas você também tem nó?
E você aí em cima, piedade, desate estes nós!
Não me escuta, não é?
Haverá um dia em que todos os nós farão um novelo
e no romper do novo dia,
em agonia eu hei de vê-lo.

“Nó”, em 1977, foi primeira colocada no III Festival Estudantil de Poesias de Cajazeiras.


fonte: Raízes - Poesias

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