sábado, 15 de junho de 2013

Homenagem a poesia estudantil do final dos anos 70 e inicio dos anos 80.



Este blog, a partir desta postagem, faz uma homenagem especial (com postagens que publicaremos a cada semana), à poesia estudantil cajazeirense, produzida no final dos anos 70 e inicio dos anos 80, isto é, entre os anos de 1976 e 1981. Nesse período, o aparelho repressor através da ação da censura, ainda sufocava a produção cultural no país. Em Cajazeiras, os estudantes dos principais colégios da cidade, a exemplo dos demais pelo país a fora, sonhavam como mais liberdade de expressão e com a queda do regime militar. Lutavam contra isso, ocupando os Grêmios Estudantis e os Centros Cívicos dessas unidades escolares, realizando eventos culturais de cunho político educativo, que no fundo era um chamamento da classe, para o confronte contra o regime opressor instalado pelos militares em 1964.

De muitos eventos realizados por essas entidades estudantis, os Festivais de Poesias realizados pelo Centro Cívico Olavo Bilac do Colégio Estadual, foi o que mais concentrou um grande número de estudantes comprometidos com ideais libertários. As poesias produzidas por esses jovens eram contemporâneas. Um verdadeiro turbilhão literário de versos fraseados que evocava o sentimento de uma classe diante da dura realidade política que país vivia e a necessidade mudanças. Bandeira que esses estudantes lutavam incessantemente, seja com a palavra ou na militância através das manifestações artísticas-culturais.




IVALDO PEREIRA DE SOUZA

Para esta primeira postagem vamos reproduzir os poemas produzidos por Ivaldo Pereira de Souza (in memória). Segundo o editor do livro RAÍZESARAÚJO, Luiz Alves. Cajazeiras/PB, 1982, o jovem poeta falecido prematuramente na época, vítima de afogamento, era talentoso: “muito cedo descobriu as causas das injustiças sociais a que estamos submetidos nessa sociedade capitalista.  Mas sempre soube unir a denúncia ao anúncio. Suas poesias mostram as contradições da atual ordem econômica, política social". Escreveu Luiz Alves.







IN - POSIÇÃO

A mesa com nada
o leito sem nata
o lixo sem lata
o enfermo sem maca
o livro sem capa
a mão com a faca
a vida paga
o governo e a massa
a massa com nada.

O futuro e o dinheiro
a carne sem tempero
o choro verdadeiro
o incêndio sem bombeiro
julho e fevereiro
o tiro certeiro
Deus justiceiro
o pobre romeiro
o rico dinheiro.

A verdade e o corte
o tiro e a morte
a foto e o recorte
não há quem suporte
o rico e a sorte
o dinheiro é o forte
a rainha e o consorte
a fome e o norte
o censor e o corte.

O sistema - a Ditadura
a verdade pura
nós e a censura
a moeda impura
o dialogo e a ruptura
o remédio e a cura
o pobre que não atura
a hipocrisia e a amargura
a gente mole e a dita dura.

A prestação e a cobrança
a caixa e a poupança
o instituto - a esperança
o abandono da criança
o atrito e a vingança
a morte e a herança
a televisão que casa
os 22 e a França
o depósito, a cobrança.

A renda e o imposto
o alimento sem gosto
a inteligência ou o rosto
o sucesso composto
o líder deposto
o golpe disposto
o líder reposto
a parada no posto
o imposto, imposto.

O NASCER DA FOME

E nasce mais um:
como todo humano, chorou.
E mamou,
como todo plebeu,
não o leite materno
mas a decepção paterna.
Deram-lhe qualquer líquido branco
ou ao menos algo
com tendências ao alvo.
E não comeu,
como qualquer plebeu
enganou a sua barriga
que simultaneamente o enganou,
deixando enganado seu pai
que foi enganado pela sociedade.
E ele cresceu,
isto é, cresceu sua idade
cresceu sua infantilidade
cresceu seu sofrimento,
mas não cresceu do mundo seu entendimento,
seu amadurecimento.
E saiu da infância
pensando ainda ser criança.
E passou pela puberdade
passando pela idade
de adulto,
e nunca foi alguém
sempre foi um vulto
sempre foi ninguém.
E sem o amor materno,
também sem o artificial,
e a barriga em flagelo,
diferente de muito animal,
nunca viveu,
como todo plebeu.
E como todo humano
morreu.






















RE - COLHIDA

Uma praça
na praça
um praça
na praça
caça
com raça
uma criança,
sem raça,
que passa
sem graça
entre a massa.

Que trapaça!
uma raça
traça
de graça
a desgraça
da massa
e ainda a massa!

DIA A DIA

Meio - dia,
barriga vazia,
agonia.

Desastre na via,
nenhuma melhoria,
só alegoria.

Mulher que jazia,
ninguém socorria,
mais uma Maria.

Criança sem regalia,
nas grades vivia,
utopia.
A hierarquia,
de baixo comia,
mordomia.

Aumento na mercadoria,
sistema aplaudia,
carestia.

Poucos na folia,
muitos na penitência,

hipocrisia.

fonte: RAÍZES, Livro de Poesias. Cajazeiras, 1982



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