Este blog, a partir desta postagem, faz uma homenagem especial (com postagens que publicaremos a cada semana), à poesia estudantil cajazeirense, produzida no final dos anos 70 e inicio dos anos 80, isto é, entre os anos de 1976 e 1981. Nesse período, o aparelho repressor através da ação da censura, ainda sufocava a produção cultural no país. Em Cajazeiras, os estudantes dos principais colégios da cidade, a exemplo dos demais pelo país a fora, sonhavam como mais liberdade de expressão e com a queda do regime militar. Lutavam contra isso, ocupando os Grêmios Estudantis e os Centros Cívicos dessas unidades escolares, realizando eventos culturais de cunho político educativo, que no fundo era um chamamento da classe, para o confronte contra o regime opressor instalado pelos militares em 1964.
De muitos eventos realizados
por essas entidades estudantis, os Festivais de Poesias realizados pelo Centro
Cívico Olavo Bilac do Colégio Estadual, foi o que mais concentrou um grande
número de estudantes comprometidos com ideais libertários. As poesias produzidas por esses jovens eram contemporâneas. Um verdadeiro turbilhão literário de versos fraseados que
evocava o sentimento de uma classe diante da dura realidade política que país
vivia e a necessidade mudanças. Bandeira que esses estudantes lutavam incessantemente,
seja com a palavra ou na militância através das manifestações artísticas-culturais.
Para esta primeira
postagem vamos reproduzir os poemas produzidos por Ivaldo Pereira de Souza (in
memória). Segundo o editor do livro RAÍZES, ARAÚJO, Luiz Alves. Cajazeiras/PB,
1982, o jovem poeta falecido prematuramente na época, vítima de afogamento, era
talentoso: “muito cedo descobriu as causas das injustiças sociais a que estamos
submetidos nessa sociedade capitalista. Mas sempre soube unir a denúncia ao anúncio. Suas poesias mostram as contradições da atual ordem econômica, política social". Escreveu Luiz Alves.
IN - POSIÇÃO
A
mesa com nada
o
leito sem nata
o
lixo sem lata
o
enfermo sem maca
o
livro sem capa
a
mão com a faca
a
vida paga
o
governo e a massa
a
massa com nada.
O
futuro e o dinheiro
a
carne sem tempero
o
choro verdadeiro
o
incêndio sem bombeiro
julho
e fevereiro
o
tiro certeiro
Deus
justiceiro
o
pobre romeiro
o
rico dinheiro.
A
verdade e o corte
o
tiro e a morte
a
foto e o recorte
não
há quem suporte
o
rico e a sorte
o
dinheiro é o forte
a
rainha e o consorte
a
fome e o norte
o censor
e o corte.
O
sistema - a Ditadura
a
verdade pura
nós
e a censura
a
moeda impura
o
dialogo e a ruptura
o
remédio e a cura
o
pobre que não atura
a
hipocrisia e a amargura
a
gente mole e a dita dura.
A
prestação e a cobrança
a
caixa e a poupança
o
instituto - a esperança
o
abandono da criança
o
atrito e a vingança
a
morte e a herança
a
televisão que casa
os
22 e a França
o
depósito, a cobrança.
A
renda e o imposto
o
alimento sem gosto
a
inteligência ou o rosto
o
sucesso composto
o
líder deposto
o
golpe disposto
o
líder reposto
a
parada no posto
o
imposto, imposto.
O NASCER DA FOME
O NASCER DA FOME
E
nasce mais um:
como
todo humano, chorou.
E
mamou,
como
todo plebeu,
não
o leite materno
mas
a decepção paterna.
Deram-lhe
qualquer líquido branco
ou
ao menos algo
com
tendências ao alvo.
E
não comeu,
como
qualquer plebeu
enganou
a sua barriga
que
simultaneamente o enganou,
deixando
enganado seu pai
que
foi enganado pela sociedade.
E
ele cresceu,
isto
é, cresceu sua idade
cresceu
sua infantilidade
cresceu
seu sofrimento,
mas
não cresceu do mundo seu entendimento,
seu
amadurecimento.
E
saiu da infância
pensando
ainda ser criança.
E
passou pela puberdade
passando
pela idade
de
adulto,
e
nunca foi alguém
sempre
foi um vulto
sempre
foi ninguém.
E
sem o amor materno,
também
sem o artificial,
e a
barriga em flagelo,
diferente
de muito animal,
nunca
viveu,
como
todo plebeu.
E
como todo humano
morreu.
Uma
praça
na
praça
um
praça
na
praça
caça
com
raça
uma
criança,
sem
raça,
que
passa
sem
graça
entre
a massa.
Que
trapaça!
uma
raça
traça
de
graça
a desgraça
da
massa
e
ainda a massa!
DIA
A DIA
Meio - dia,
barriga
vazia,
agonia.
Desastre
na via,
nenhuma
melhoria,
só
alegoria.
Mulher
que jazia,
ninguém
socorria,
mais
uma Maria.
Criança
sem regalia,
nas
grades vivia,
utopia.
A
hierarquia,
de
baixo comia,
mordomia.
Aumento
na mercadoria,
sistema
aplaudia,
carestia.
Poucos
na folia,
muitos
na penitência,
hipocrisia.
fonte: RAÍZES, Livro de Poesias. Cajazeiras, 1982
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