O fuzil do major Higino
Rolim
Por
Francisco Frassales Cartaxo
Cresci vendo um monte de rifles na
casa de meu pai. Rifles e munição guardada em velho saco de estopa. Tantino
gastava balas com marrecas, pato e galinha d’água. Os rifles papo-amarelo,
leves, cano curto, fáceis de transportar, eram os preferidos dos cangaceiros. E
o fuzil? Ao tentar usá-lo quase fui ao chão com o sopapo da coronha no ombro.
Tantino gostava de experimentar o fuzil em jornadas de tiro ao alvo no sítio
Prensa e outros lugares próximos a Cajazeiras.
Essas armas foram herdadas por
Cristiano Cartaxo do seu pai, o major Higino Rolim. Cada uma tinha sua história
que se foi apagando da memória ao longo dos anos. Menos a história do fuzil.
Segundo meu pai, ele fora usado por Romeu Menandro da Cruz, que trabalhava na
farmácia do major Higino, no dia em que Sabino Gomes atacou Cajazeiras. Romeu
teria atingido um dos companheiros de Sabino, que morreria mais tarde. Meu pai
sonhava em ver aquele fuzil exposto num museu de preservação de lembranças
históricas. Boas ou não. O golpe de 1964, no entanto, deu ao sargento Barbosa
de Carvalho autoridade suficiente para requisitar, (em nome do Comando Militar),
o velho fuzil F-8, quem sabe, para compor o estoque do Tiro de Guerra...
Por que o major Higino tinha essas
armas? Era o costume da sua época, tempo de milícias privadas, de força
policial impotente, dos coronéis donos de arsenais e de cabras arregimentáveis
para a defesa de seu patrimônio material e, também, para ostentar poderio
político na conquista e controle do poder local. O major Higino Gonçalves
Sobreira Rolim, nascido (1852) em Lavras, integrava o Partido Liberal, chefiado
em Cajazeiras pelo Comandante Vital Rolim e, mais tarde por seu filho, o
coronel Sabino Rolim. O major Higino foi vereador, prefeito, deputado estadual,
antes e depois de proclamada a República, tendo sido ainda promotor público,
segundo Deusdedit Leitão, como decorrência de sua condição “rábula ativo afeito
aos meandros das leis”.
Apesar dessa incursão na política, o
major Higino se enquadra melhor na vertente intelectual da família. Filho do
professor cearense Francisco Gonçalves Sobreira e Josefa Maria da Conceição,
(sobrinha do padre Rolim), portanto, sobrinho-neto do padre Rolim, com quem
aprendeu grego, latim, francês e passou a ensinar no famoso colégio. Em dados
biográficos publicados na década de 1950, Deusdedit Leitão, referindo-se ao
major Higino Rolim, afirma:
“Notabilizou-se pelos seus
conhecimentos da língua grega, cuja cátedra ocupou em substituição ao Padre
Rolim. Versado em literatura, não se cansava de saborear Virgílio, Horácio ou o
opulento Homero que costumava recitar para deleite de seus pupilos”.
Recitava na sala de aula e receitava na
Botica! Foi o primeiro farmacêutico prático em Cajazeiras, chance- lado por ato
formal do imperador Pedro II. Por isso, o major Higino era chamado de “doutor
Gino”. Ou “tio doutor”, como a sobrinha (que saudade!), Marilda Sobreira, costumava
tratá-lo, ao recordar episódios antigos, vividos por seu pai, o major Epifânio
Sobreira, aquele do casarão onde hoje funciona o CAPS II, ao lado da parede do
Açude Grande.
Não conheci o major Higino. Ele morreu
em 1931, perto de completar 79 anos. Sua lembrança, porém, sempre foi uma
constante em minha vida de criança, à vista dos rifles papo-amarelo e do fuzil
histórico. E de uma espada manchada de sangíiue. Espada? A espada fica para mais
adiante.
Família Cartaxo - Cristiano Cartaxo e os Filhos
fonte: historiacajazeiras.blogspot.com.br
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