Francisco Cartaxo
cartaxorolim@gmail.com
A espada parecia uma lenda. Pendurada na parede como
decoração encantava filhos e netos de Cristiano Cartaxo com histórias contadas
pelos mais velhos. Era uma espada velha, feia, curvada, sem brilho, já um pouco
amassada, muito diferente da outra pertencente a José Rafael, garboso tenente
da reserva do glorioso Exército brasileiro, conquistada em plena Segunda Guerra
Mundial. Esta espada vivia guardada numa capa e reluzia, tanto a bainha como a
lâmina. Nova e bela. A outra, não. Era velha e fosca. Mas havia uma diferença
fundamental: a espada do major Higino Rolim tinha história. Aliás, muitas
histórias, a começar pelo timbre de Sua Alteza, dom Pedro II.
Conta-se ter sido usada na Guerra do Paraguai (1864-1870)
por um parente distante. Para provar sua serventia patriótica os mais velhos
apontavam manchas na lâmina e diziam ser resquício de sangue. De sangue
paraguaio... é claro. (Hoje, penso que eram manchas de uísque importado do
Paraguai...). Mas naquele tempo, eu acreditava piamente. E, cheio de
patriotismo, vendia aquela lenda aos meus colegas de infância! Outra versão é
mais verossímil. A espada pertenceu a meu avô, Higino Gonçalves Sobreira Rolim,
e teria sido comprada na mesma transação que lhe permitiu ostentar os galões de
major da Guarda Nacional, no final do século 19, quando aquela instituição já
deixara de ser a Milícia Cidadã e se avacalhara a serviço de chefes políticos
locais. Tal o caso de meu avô, um cidadão ligado ao Partido Liberal, no tempo
do imperador Pedro II, e, na Primeira República, à facção partidária chefiada
por Epitácio Pessoa, o maior oligarca da Paraíba.
De todas as histórias em torno da espada famosa, existe uma
muito interessante. Nem é tão velha como as outras e traz à cena duas figuras
conhecidíssimas em seu tempo: Joaquim Sobreira Cartaxo (Marechal) e Romeu
Menandro Cruz. Ambos foram auxiliares do major Higino na antiga Farmácia
Central, autorizada a funcionar pelo imperador Pedro II, em 1875. Os dois
rapazes tinham fama de valente. E não só a fama. Marechal carregava o mistério
de ter assassinado um soldado da polícia e Romeu foi um homem disposto,
corajoso. Um homem com H, descrito na música de João do Vale, que,
modernamente, Ney Matogrosso assumiu com perfeição vocal.
Pois bem, no começo do século 20, o quente em Cajazeiras
eram os sambas nos sítios. Cachaça, quinado, vermute, conhaque de mistura com
som a animar o rela-bucho debaixo da latada, a poeira feito redemoinho... Numa
noite de lua cheia, Marechal resolveu ir para o samba de espada na cintura. E
lá foi ele dançar, garboso, aquela marmota a balançar no meio do salão, sem
escolher pernas, braço ou bunda de dama ou dançarino... Chega, gritou alguém.
Aí, um grupo de bêbados decidiu acabar com a presepada de Marechal. Avançaram
em cima dele, que não teve outra saída: correu na direção da capoeira de
algodão e a turma atrás, pega, pega, toma essa peixeira de merda, pega esse
safado, pega...
De longe, só se via a espada brilhando à luz da lua da
cheia!
Ouvi de meu pai essa história narrada muitas vezes, ele
rindo à beça da travessura do filho do seu irmão unilateral Joaquim Antônio do
Couto Cartaxo. Tantino, porém, conta outra versão para o final do episódio. Diz
ele que tomaram a espada de Marechal e, no dia seguinte, foram entregar a seu
legítimo dono, o major Higino, dizendo-lhe que Marechal a havia esquecido na
casa do compadre...
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