domingo, 3 de fevereiro de 2013

Gutemberg, o quixotesco

(da sua coluna) Nonato Guedes



  Gutemberg Cardoso   tornou-se uma grife na imprensa paraibana a partir de Cajazeiras, onde iniciou trajetória semelhante à minha: como office-boy na Difusora. Nascido em Jacarezinho, no Rio de Janeiro, sempre foi irrequieto, polêmico, combativo. E idealista. Abraça as causas alheias como se fossem suas. Tem “feeling” para explorar fatos de repercussão. Quando veio para João Pessoa, onde inicialmente formou parceria com Josival Pereira e Ruy Dantas, já chegou dizendo a que tinha vindo. Sua sina é a do revolucionário. Foi assim na trajetória em Cajazeiras, onde além de atuar na imprensa falada e escrita, fez teatro e poesia. Foi o mentor do grupo “Boiada”. E uma de suas poesias, “Prisioneiro”, é um verdadeiro libelo contra a opressão. Foi sua forma de resistir, ainda adolescente, à ditadura militar. Ganhou o primeiro lugar num concurso em que fui premiado com “Contradições”, em posição intermediária.

Sua iniciação radiofônica tem traços coincidentes com a minha trajetória. Ainda imberbe, montou uma rádio improvisada na rua João Moreira, na terra da Cultura. Foi precursor das emissoras comunitárias que depois proliferaram por todo o país. Com 12 anos, disse à mãe que queria trabalhar numa rádio de verdade, e logrou seu primeiro emprego na Difusora de Mozart de Souza Assis, laboratório de formação de talentos. Enveredou pela função de operador de áudio, que na época se denominava sonoplasta ou controlista. Levei-o para a rádio Alto Piranhas, onde apresentou o programa “Olho Vivo”, de grande repercussão. Estivemos juntos no jornal alternativo “Tribuna Popular”, impresso em mimeógrafo em Cajazeiras. Militamos em grupos de esquerda.

Relembro tudo isso a propósito de mais uma guinada na sua carreira profissional. Ao desembarcar em João Pessoa, foi acolhido no Sistema Correio e liderou, com outros colegas, o programa do meio dia, que era imbatível em audiência. Seu estilo é o de cutucar a onça com vara curta. Faz o gênero denuncista, porque nunca se conformou com as desigualdades e nem se intimidou com os arreganhos dos poderosos de plantão, a quem desafia ostensivamente. Quando convivíamos juntos, era eu quem controlava os impulsos de Gutemberg, o seu afã de dizer verdades, de agir como um Dom Quixote. Controlava vírgula. Porque, na verdade, Gutemberg nunca se deixou levar por ninguém. Sempre lutou para se livrar das amarras. Notícia, para ele, é notícia. Tem que ser divulgada.

Ultimamente estava pontificando na 101 FM, do Sistema Paraíba de Comunicação, apresentando o “Polêmica Paraíba”, denominação apropriada ao estilo desse comunicador formado em Direito. Passou a enfrentar problemas com poderosos, o que era inevitável, pela linha de questionamento que sempre adotou. Gutemberg não é de engolir a primeira versão. Dono de uma imaginação fertilíssima, ele cria cenários para tentar explicar determinados fatos obscuros, com uma estratégia que acaba enredando os protagonistas desses episódios e rendendo-lhe a descoberta da verdade possível. Esse vascaíno que tem a mania de anotar tudo já furou bloqueios de segurança para entrevistar personalidades famosas como o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Quando foi meu diretor na rádio CBN, no Sistema Correio, deu-me plena liberdade para entrevistar quem quer que fosse notícia, pouco se importando com as reclamações de diretores e de responsáveis pelo setor comercial. Para ele, o faturamento dos veículos sempre vem acompanhado da repercussão das atrações que uma emissora exibe. Um programa jornalístico tem que ser audacioso, para chamar a atenção, criar legião cativa de ouvintes, de admiradores.

Desde Cajazeiras, Gutemberg foi sempre o cara que lidera. Que prospecta os talentos emergentes e os leva para sua companhia por considerá-los indispensáveis no esquema de trabalho que o motiva. Só não tolera a burrice, o nhém-nhém-nhém de quem tenta virar estrela a todo custo. Ele lutou muito para chegar aonde chegou. Eclético, polivalente, polêmico. Mas profissional de mão cheia. O filho de dona Joana Cardoso também virou professor da Universidade Federal da Paraíba. Credenciais para tanto não lhe faltaram. Nunca lhe faltaram, aliás. Como não é de se acomodar, já perscruta projetos de impacto. Gutemberg é brasileiro, não desiste nunca, sobretudo no primeiro obstáculo. É mais do que um colega. É meu irmão, com orgulho.


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