escreveu: Francisco Cartaxo
Cristiano Cartaxo
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Cresci ouvindo meu pai narrar, vez por outra, o susto que
passou ao ver-se frente a frente com Lampião. Cristiano Cartaxo contava sempre
a mesma versão, quase com as mesmas palavras a indicar a veracidade do episódio
por ele vivido. Certa ocasião, noite alta, ele se dirigiu à Farmácia Central,
fundada pelo seu pai, o major Higino Rolim, para aviar uma receita, a pedido de
pessoa amiga. Nessa época, década de 20 do século passado, a farmácia ficava na
Rua Sete de Setembro, hoje Avenida Presidente João Pessoa. Cristiano entrou na
botica, deixando a porta entreaberta, e foi preparar o remédio. Com pouco
tempo, apareceu um desconhecido em trajes estranhos, arma de fogo e punhal. Meu
pai apressou-se em procurar atendê-lo àquela hora da noite:
- O senhor deseja alguma coisa? Precisa de algum remédio?
Disse mas não obteve resposta. O estranho esboçou apenas um
leve sorriso, deu alguns passos, lentamente, parou para espiar melhor as
prateleiras, voltou a caminhar pelo pequeno corredor até os fundos da loja, sem
uma palavra, por mais que meu pai insistisse em oferecer-lhe seus serviços
profissionais de farmacêutico. O visitante saiu pela porta, não sem antes fazer
breve reverência de cabeça. Meu pai, sem pestanejar fechou a porta com ferrolho
e voltou à sua tarefa. Claro que teve medo, sobretudo, porque isso se deu após
o ataque do cangaceiro Sabino Gomes que, segundo meu pai, tinha como um dos
seus objetivos ao invadir Cajazeiras “agarrar o enxu do major Higino”, numa
referência ao cofre da farmácia do meu avô.
Pharmácia Hygino Rolim-antiga Botica do Major Hygino,
fundada em 1875. Pela ordem: Cristiano Cartaxo, Betinha, Joaquim
Antônio, Maria, Marechal e clientes
Sabino Gomes conhecia bem Cajazeiras. Fora guarda-costas de
Marcolino Diniz, um cidadão que residiu em Cajazeiras, pouco depois de
assassinar o bacharel Ulisses Wanderley, juiz de direito da cidade de Triunfo
(PE), em 30 de dezembro de 1923. Preso em flagrante, foi solto pelos cabras de
Sabino, a mando de Lampião, que era amigo e protegido do coronel Marçal
Florentino Diniz, pai de Marcolino. Em Cajazeiras, Marcolino fundou e manteve,
junto com o advogado Praxedes Pitanga, o jornal O Rebate, que circulou entre 1925
e 1928. Marcolino era irmão unilateral de Sabino Gomes, pois este nascera de
relação sexual do coronel Marçal com sua cozinheira, em Abóboras, município de
Serra Talhada (PE), perto de Princesa Isabel, terra do famoso coronel José
Pereira, aliás, sogro de Marcolino Diniz. Sabino chegou a trabalhar nas obras
de construção do açude de Boqueirão e desfilava armado pelas ruas de
Cajazeiras, na qualidade de capanga de Marcolino Diniz.
Como o poeta Cristiano soube que o cangaceiro misterioso era
Lampião? Meu pai o identificou numa foto que correu mundo, batida pelo
fotógrafo profissional, Francisco Ribeiro, em Limoeiro do Norte, quando o bando
ali estacionou, ao regressar da frustrada invasão a Mossoró. Em Limoeiro, os
cangaceiros foram recebidos sem hostilidade. Ao contrário, tiveram direito a
banquete, fizeram compras no comércio e até rezaram na igreja em companhia do
padre.
Revejo, agora, a foto histórica, inserida no livro de
Frederico Pernambucano de Mello: Guerreiros do sol - Violência e banditismo no
Nordeste do Brasil -, talvez o melhor estudo acerca do fenômeno social do
cangaço nordestino. Revejo com saudade do meu pai que, em 2013, completa 100
anos de formado na antiga Faculdade de Medicina e Farmácia do Rio de Janeiro.
fonte: Diário do Sertão
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