as ruas que andei
escreveu Linaldo Guedes
Entre a rua Doutor Coelho e a praça João Pessoa repousam meu coração cajazeirense. E um repouso aparentemente singelo, que leva a um mergulho em um tempo onde Cajazeiras ainda pontuava no Estado como a terra da Cultura.
A rua
Doutor Coelho é a primeira etapa de uma infância guardada com carinho no
coração. Uma infância onde predominavam as brincadeiras nas calçadas, logo após
os seriados exibidos pela Rede Globo, numa época em que a emissora dos Marinhos
ainda não ditava rumos e modas nesse país. Fazíamos dos cabos de vassoura o
suporte ideal para brincar imitando os velhos filmes de faroeste.
Nos
finais de semana, a corrida para o Cine Pax assistir aos filmes que estavam em
cartaz. Tempos bons aqueles! Quando saíamos do cinema imitando as lutas
marciais de Bruce Lee e não queríamos felicidade maior do que aquela! Uma
felicidade que, imagino a atual juventude cajazeirense não tenha, já que se
limita a curtir os últimos lançamentos da sétima arte no vídeo-cassete. Alguns,
infelizmente, tenho certeza, jamais tiveram o prazer de constatar in loco a
magia que é assistir a um filme no próprio cinema, comendo pipoca.
Mas a Doutor Coelho era muito mais do que a expectativa dos filmes, ou as brincadeiras nas calçadas. De um lado, se abria o caminho para o Açude Grande, que já naquela época lavava a roupa de toda Cajazeiras, embora não banhasse quase ninguém. Soube que hoje o açude está remodelado e se transformou na área lazer que a cidade sempre mereceu. O fascínio pelo pôr do sol às margens do açude, começou numa das escapadas pelo braço da Doutor Coelho.
Outra
vereda que se abria era a subida para a Camilo de Holanda. Mas ali era proibida
a presença de garotinhos imberbes. Diziam que era o caminho do prazer e a gente
ouvia as conversas com um misto de excitação e temor. Enquanto isso olhávamos
para o horizonte, para as veredas que levavam ao Ceará. Mas quem queria sair de
Cajazeiras naqueles idos?
A Praça João Pessoa já chegou na pós-adolescência. Também de lá, se podia ter o privilégio de chegar ao Açude Grande, mas as noites do pós-adolescente não comportavam tais mergulhos traquinas.
Por isso,
a Praça João Pessoa tinha outras mil e uma utilidades. Era o caminho mais
rápido de acesso ao Tênis Clube. O velho Tênis Clubes, com seus shows e festas
que varavam as madrugadas, em trilhas sonoras já incentivadas na Patamuté
durante os dias que antecediam as festas por nomes como Lúcio Vilar e Maxwel.
Trilhas sonoras que iam dos Pholas e Trepidantes (quantos e quantos shows dos
Trepidantes não lotaram o Tênis) ao moderno axé baiano de Luís Caldas e outros
contemporâneos.
Praça João Pessoa que depois serviria de ponte também para o Xamegão, a bela festa são joanina cajazeirense. Impossível não lembrar de Chico Amaro afinando a sanfona e esquentando o público para as principais atrações do evento. Ou mesmo bandas que não tinham nada de forró, como o Apocalipse, mostrando o ecletismo e a força sempre marcante da cultura na Terra do Padre Rolim.
Ah, a Praça João Pessoa, com seus bancos e bares! Descanso para os corações enamorados? Qual o que! Quem queria descanso naqueles tempos do Bar FM? A energia da juventude não dava para ser desperdiçada assim, sentada num banco da praça.
Nas
madrugadas, podia-se criar outra ponte entre a praça João Pessoa e a Doutor
Coelho. Mas aí o cronista já tinha descoberto novos caminhos, novos becos e
avenidas cajazeirenses. Agora, o caminho é para o alto. Melhor dizendo: para o
Alto Belo Horizonte, o atalho mais fácil e divertido, no meio daquela gente
simples, para o caminho do saber, para o campus universitário e o primeiro
alumbramento com a literatura. Pelas mãos da professora Elionita de Sá, a
paixão pelas letras se intensificou, ao descobrir a poesia de João Cabral,
Carlos Drummond de Andrade e dos poetas portugueses. Ai já era hora de alçar
vôo, para onde o verso e a prosa soprassem. Era hora de escrever novas linhas
no destino. Quem sabe no litoral?
Linaldo Guedes. linaldoguedes@uol.com.br
É jornalista e
poeta. Nascido em Cajazeiras, é radicado em João Pessoa desde 1979. Como
poeta, lançou os livros “Os zumbis também escutam blues e outros poemas” e
“Intervalo Lírico”. Lança em abril deste ano, em Brasília, seu
terceiro livro, “Metáforas para um duelo no Sertão”.
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