Imagem meramente ilustrativa, editada a partir de uma cena do filme: 'Alguém me Vigia'
de 1979. Destaque a atriz Lauren Hutton, protagonista do filme
No auge daqueles três cinemas,
eis que explode um dos momentos contagiantes da minha adolescência. Um intervalo
no tempo, em que muitos vivenciaram comigo e, outros que não viveram, passaram mais
adiante, também, a se envolver e ser parte desse instante. E o que foi bom, não
houve idade marcada ou preestabelecida, pois o interesse naquela diversão, era unânime
e, por ser assim, atraia a vontade de todos, independentemente dos anos que tivesse
ou da seriedade que aparentava ter.
Quando eu andava pelas ruas de
Cajazeiras, facilmente sabia entender o sentido daquela atração quase voraz. Uma
febre por aquelas atraentes microimagens, pulsava em quase todas as residências,
pois o que eu via nessa eterna urbe, era que uma casa aqui, outra ali, sempre
havia um grupo reunido, vislumbrando com ajuda de uma razoável lente artesanal, manipulada, a
partir de uma lâmpada comum, com água dentro e um foco de luz solar; uns tais
fotogramas de cores e luzes, na parede de algum lugar das suas moradias.
Os inventos variavam de
tamanho, qualidade e quantidade. Muitos da meninada dessa época, abusava da
criatividade, sempre buscando a perfeição, na melhor confecção daquelas pequenos caixas mágicas, que nos fazia viajar por um mundo de fantasias e sonhos.
Colavam os quadrinhos magnéticos, um, depois um; outro, após outro, com ajuda
de um durex, formando um improvisado novelo, com imagens dos atores,
protagonistas dos filmes de faroeste ou épicos preferivelmente, imitando os verdadeiros rolos
de fitas, que chegavam em latões, nas cabines dos cinemas para serem revisados
e projetados, durante as sessões a noite nas salas de exibições da cidade.
Não se via naquelas caixinhas
de sapatos ou de madeira, a possibilidade de elas serem transformadas em algo
concreto, pois não havia, sobretudo, nenhuma ligação com a realidade, porém, apenas, pequenos objetos que lembrava a ilusão
do cinema ou as imagens que nele víamos. Imagens referenciadas, por demais
amadas, principalmente quando olhávamos projetados na parede de nossas casas, os retratos gigantes de
Jonh Weyne, Clenn Ford, Gregory Peck, ou as well-defined beauties em
plano aberto, de Claudia Cardinale, Greta Garbo, Sophia Loren e Natalie Wood.
A busca diária por tais fotogramas,
aumentava e, as portas dos Cines Éden, Pax e Apolo XI, nos intervalos das
exibições, bem como, no período da manhã - momento de limpezas dessas salas ou
nos horários da tarde - quando os operadores de projetores, revisavam os rolos
de fitas; tinha caráter construtivos, já que era na procura das melhores
imagens, que surgia a formação dos nossos melhores bancos de fotogramas e, a
meninada da vizinhança, era ávida, não fazia concessão e presava pela qualidade
das imagens.
No começo dessa fábula cinematográfica,
passamos a andar pelos lixos dos cinemas de Cajazeiras, procurando esses esquecidos fotogramas, descartados das partes dos filmes, que não era adequados
para exibição nas grandes telas. Até aquela ocasião, para encontrar essas preciosidades, perdidas ou não nos dispensários dos três cinemas, era necessário chegar na
hora que os operadores recolhiam o lixo produzido pela revisão, ou horas depois.
Isso, se ninguém chagasse antes.
Tinha alguns que chegava a fazer plantão nos
fundos dos cinemas, tocaiando o momento que o auxiliar de operador descia com o
lixo da faxina, para vascular os entulhos, ansiosos na esperança de encontrar uma
imagem. Se a procura dessas pequenas janelas, era aparentemente uma tarefa
difícil, mais difícil ficava, com o aumento do número de interessados
envolvidos na brincadeira de cineminha em casa.
Com a crescente demanda por dessas
imagens nas portas dos cinemas, os operadores de projetores, que também eram os
responsáveis pelas revisões dos filmes, passaram a fazer esse trabalho e, tudo
que era cortado das fitas, iam sendo guardados e vendidos a preços não muito
satisfatórios, para muitos garotos que não tinha se quer um centavo no bolço da
sua calça coringa e, tudo que precisava comprar, dependia da boa vontade dos
pais.
Lembro que certa vez estava
sendo exibido no Cine Éden um filme de Faroeste, chamado ‘O Irresistível
Forasteiro’, com Glenn Ford. O filme foi gravado em cinemascope e a imagem
tinha um colorido perfeito, com uma resolução de fazer inveja aos 4k de hoje. A
exibição tomava toda a extensão da tela. Como já tinha assistido no dia da estreia,
foi dois dias depois ao Cine Éden com alguns trocados no bolso. Meu propósito,
era adquirir alguns fotogramas do filme que mostrasse um plano fechado do ator protagonista,
no caso, Glenn Ford.
Quando cheguei a calçado do
cinema, vi que a porta estava fechada, mas a janela da cabine dos projetores,
que dava para a Praça João Pessoa, estava aberta. Perguntei com a voz um pouco
alterada: tem alguém aí? Ninguém apareceu, ninguém respondeu. Já que esse
compartimento do cinema ficava numa espécie de plano superior, em relação ao
auditório, pequei uma pedrinha no calçamento da Praça João Pessoa e atirei em
direção a janela, fazendo a mesma pergunta feita antes: tem alguém aí?
Subitamente, vi um pé e uma mão aparecendo, quase empresados, naquela janela
estreita e bastante comprida. Era Manoelzinho Justino, um dos operadores, que
no futuro veio ser uma das vítimas fatais do atentado a bomba no Cine Teatro
Apolo XI.
Ele apareceu na janela e
perguntou o que eu queria. Disse a ele que desejava adquirir alguns fotogramas
do filme ‘O Irresistível Forasteiro’. Fitas cujas imagens tivesse atores em
plano médio ou fechado. Ele prontamente disse que tinha e perguntou quantas eu
queria. Respondi, umas cinco. Ele replicou: É dois cruzeiros. Vi que tinha esse
valor, peguei o dinheiro enrolei muna pedrinha com uma liga e, joguei em
direção a janela.
Ele recebeu os cruzeiros, conferiu e falou que ia pegar os
fotogramas. Fiquei esperando alguns minutos. De repente, Manoelzinho reapareceu
na janela e, jogou em minha direção, um pacotinho envolvido num papel. O
passador de filmes encostou a janela e desaparece de mim. Quando olho o
conteúdo do pacotinho, os fotogramas vendidos por Manoelzinho, só tinha imagem
com cenas de paisagens, ou seja, planos gerais da cidade cenográfica, cowboys pastoreando
bois e desfiladeiros.
Tentei no mesmo instante devolver
a encomenda adquirida com operador do Éden. Gritei em direção a janela superior
do cinema, chamando: Ô Manoelzinho! não são essas as imagens que pedi e nem as
que comprei. Clamei com a voz altiva e o ‘cara’ não apareceu. Voltei a, apliquei
a técnica de atirar uma pedra na janela da cabine de operação do cinema, mas o funcionário da sala de exibição não deu ouvido,
não deu as caras.
E assim voltei com aquelas
imagens provocativas, desqualificando o meu caminho em direção a balaústre cega
da porta principal das casas pernambucanas. Quanto aos meus fotogramas, fui,
como diz no popular, ‘enrolado’ pelo tal Manoelzinho do Cine Éden. Mesmo assim,
deu para aproveitar, pois como disse anteriormente, as imagens e o colorido do
filme ‘O Irresistível Forasteiro’ eram mágicas, um vislumbre para os olhos de
qualquer adolescente que vivia aqueles dias fantásticos, simbolizados via as caixas
panorâmicas dos nossos três cinemas.
D E I X E O S E U C O M E N T Á R I O
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