quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

O Jornal A União, domingo - 26.01.25, Caderno Cultura, página 9, publicou matéria alusiva aos 40 anos do Teatro Ica.

Teatro Íracles Brocos Pires - Ica, antes e depois da reforma em 2018.

Um Palco em Festa

porEsmejoano Lincol

Íracles Brocos Pires, a dona Ica, diretora paraibana e entusiasta da cultura local, lutava por um espaço maior para a promoção de espetáculos em Cajazeiras, no Sertão da Paraíba. Em meados dos anos 1970, a ideia começou a tomar forma, e ela vislumbrou a possibilidade de dar o nome do escritor Ariano Suassuna ao equipamento que seria construído. O destino não permitiu que ela pudesse ver o sonho tornar-se real, mas sua partida fez com que esse palco levasse o seu nome. Inaugurado há 40 anos, o Teatro Íracles Brocos Pires segue a missão de promover a arte do estado. A programação especial de aniversário se encerra hoje com shows do Grupo Dança de Rua da Paraíba e de Seu Pereira e Coletivo 401, a partir das 19h30.

A União cobriu o lançamento do Ica, entregue pelo então governador Wilson Braga, na edição de 29 de janeiro de 1985. Na mesma oportunidade, o gestor também realizou a inauguração do Estádio Perpétuo Corrêa Lima, o Perpetão, que àquela altura era chamado de Wilsão, em deferência ao político. Em seu discurso, Braga exaltou o trabalho dos artistas locais, como Marcélia Cartaxo, que, conta a reportagem, havia sido recentemente escalada para o icônico papel de Macabéa no longa-metragem A Hora da Estrela, de Suzana Amaral. “Que ela [a ‘casa teatral’, como chamou o governador] agora cumpra a sua missão história para o futuro”, projetou Braga, na sua fala à população.

Quem recorda o legado de Íracles é seu filho, o advogado Pepé Pires. Ele afirma que, quando da escolha de dona Ica para dar nome ao teatro, houve quem questionasse o fato de ela não ter sido atriz, ainda que tenha se empenhado em sua própria formação - nos anos 1950, rumou para o Rio de Janeiro, onde estudou no Tablado, fundado pela dramaturga Maria Clara Machado.

“Ela tinha um talento nato. Na década de 1960, encenou O Auto da Compadecida e contou com a participação do próprio Suassuna, que teceu elogios diante da capacidade dos artistas locais, incluindo a minha mãe, de realizar uma adaptação daquela qualidade”, evoca.

Íracles faleceu em março de 1979, num trágico acidente automobilístico em Jequié, na Bahia, mas Pepé afirma que a influência de sua mãe na cena local ultrapassa o título dado ao equipamento público - em consonância com a cena nacional, a diretora trouxe para Cajazeiras peças de vanguarda contemporâneas à sua circulação no Sudeste, como dona Xepa, de Pedro Bloch. “Antes da construção do espaço, minha mãe trazia duas peças por ano para a cidade. O Ica hoje é uma referência na cultura do município, que gira em torno daquele ambiente”, conclui.

PALCO PARA A “ANDORINHA”

Dona Ica também compartilha seu apelido com esse espaço: o Teatro Ica, como é carinhosamente chamado por atores e moradores, era uma demanda antiga da cena local. Antes, os artistas e o público tinham de recorrer a ambientes improvisados na rua, no antigo Colégio Diocesano, ou no Cine Teatro Apolo XI.

O ator Buda Lira, também cajazeirense, deu seus primeiros passos na dramaturgia justamente nos quintais e nas calçadas do município, quando de sua experiência com o Grupo Terra, montado junto com seus irmãos, Bertand, Nanego e Soia. “Participamos do grupo que fez a campanha para a construção desse teatro”, recorda.

Rivelino

Anos depois, mais experiente e residindo em João Pessoa, retornou ao Ica para se apresentar com dois espetáculos importantes em sua trajetória como ator: O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá, de 1992, e A Gaivota (Alguns Rascunhos), de 2007, ambos produzidos pelo Grupo Piollin, do qual passou a fazer parte. Buda atesta a importância desse teatro, considerando sua localização no interior do estado. “Acho que não chega a 5% o número de municípios brasileiros que possuem, oficialmente, casas de espetáculos”, declara.

Rivelino Martins, também ator e natural de Cajazeiras, conheceu dona Ica por meio de artistas contemporâneos à primeira-dama do teatro cajazeirense, como Larcy Nogueira. Com quase 40 anos dedicados à arte, encenou novas versões de espetáculos que, no passado, foram dirigidos por ela, como A Incelença, escrito por Luiz Marinho. “Era tida como uma mulher além do seu tempo, no nosso Sertão paraibano. Seja no teatro, na comunicação radiofônica e na política”, pontua. 

Nos primeiros anos, o teatro chegou a ser administrado, via modelo de comodato, pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), mas, atualmente, o Ica é gerido pela Fundação Espaço Cultural da Paraíba (Funesc). Rivelino ressalta que o vínculo com o Governo do Estado garantiu, em 2018, uma reforma que trouxe melhorias diversas, como a ampliação do número de lugares disponíveis, de 174 para 285.

“Ganhamos iluminação e sonorização modernas e uma sala de ensaios. A partir daí, companhias de teatro de outros estados do Brasil, que estiveram no Ica, consideram um dos mais modernos e equipados do Nordeste”, informa.

PROGRAMAÇÃO DE FÉRIAS

Desde o ano passado, o teatro é gerido por Iza Nonato, produtora e gestora cultural nascida em Cajazeiras. Na juventude, acompanhou os espetáculos que eram encenados no palco do Ica. Depois de alguns anos residindo na capital, retornou à sua cidade de origem para coordenar o espaço. Dentre as ações que fizeram parte desse aniversário de 40 anos, estão a construção de uma galeria fotográfica, que rememora peças e demais eventos que marcaram essas quatro décadas de existência, e uma exposição de figurinos e objetos utilizados por dona Ica em espetáculos históricos.

Iza enaltece a programação que tomou conta do teatro na última semana, incluindo recital de Jessier Quirino e a montagem de Beiço de Estrada, texto clássico do dramaturgo Eliezer Rolim. A gestora assevera que as comemorações continuam até o fim do mês com a grade do projeto Férias Funesc, que fornecerá ações culturais gratuitas voltadas para as crianças e adolescentes da rede pública de ensino (confira no quadro ao lado).

“O Ica representa não apenas um espaço de expressão cultural, mas também um instrumento de preservação da história e da identidade local. Ele tem um papel fundamental na formação de público e na promoção de artistas da região”, sustenta Iza.




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