porEsmejoano Lincol
Íracles
Brocos Pires, a dona Ica, diretora paraibana e entusiasta da cultura local,
lutava por um espaço maior para a promoção de espetáculos em Cajazeiras, no
Sertão da Paraíba. Em meados dos anos 1970, a ideia começou a tomar forma, e
ela vislumbrou a possibilidade de dar o nome do escritor Ariano Suassuna ao
equipamento que seria construído. O destino não permitiu que ela pudesse ver o
sonho tornar-se real, mas sua partida fez com que esse palco levasse o seu
nome. Inaugurado há 40 anos, o Teatro Íracles Brocos Pires segue a missão de
promover a arte do estado. A programação especial de aniversário se encerra
hoje com shows do Grupo Dança de Rua da Paraíba e de Seu Pereira e Coletivo
401, a partir das 19h30.
A
União cobriu o lançamento do Ica, entregue pelo então governador Wilson Braga,
na edição de 29 de janeiro de 1985. Na mesma oportunidade, o gestor também
realizou a inauguração do Estádio Perpétuo Corrêa Lima, o Perpetão, que àquela
altura era chamado de Wilsão, em deferência ao político. Em seu discurso, Braga
exaltou o trabalho dos artistas locais, como Marcélia Cartaxo, que, conta a
reportagem, havia sido recentemente escalada para o icônico papel de Macabéa no
longa-metragem A Hora da Estrela, de Suzana Amaral. “Que ela [a ‘casa teatral’,
como chamou o governador] agora cumpra a sua missão história para o futuro”,
projetou Braga, na sua fala à população.
Quem
recorda o legado de Íracles é seu filho, o advogado Pepé Pires. Ele afirma que,
quando da escolha de dona Ica para dar nome ao teatro, houve quem questionasse
o fato de ela não ter sido atriz, ainda que tenha se empenhado em sua própria
formação - nos anos 1950, rumou para o Rio de Janeiro, onde estudou no Tablado,
fundado pela dramaturga Maria Clara Machado.
“Ela
tinha um talento nato. Na década de 1960, encenou O Auto da Compadecida e
contou com a participação do próprio Suassuna, que teceu elogios diante da
capacidade dos artistas locais, incluindo a minha mãe, de realizar uma
adaptação daquela qualidade”, evoca.
Íracles
faleceu em março de 1979, num trágico acidente automobilístico em Jequié, na
Bahia, mas Pepé afirma que a influência de sua mãe na cena local ultrapassa o
título dado ao equipamento público - em consonância com a cena nacional, a
diretora trouxe para Cajazeiras peças de vanguarda contemporâneas à sua
circulação no Sudeste, como dona Xepa, de Pedro Bloch. “Antes da construção do
espaço, minha mãe trazia duas peças por ano para a cidade. O Ica hoje é uma
referência na cultura do município, que gira em torno daquele ambiente”,
conclui.
PALCO
PARA A “ANDORINHA”
Dona
Ica também compartilha seu apelido com esse espaço: o Teatro Ica, como é
carinhosamente chamado por atores e moradores, era uma demanda antiga da cena
local. Antes, os artistas e o público tinham de recorrer a ambientes
improvisados na rua, no antigo Colégio Diocesano, ou no Cine Teatro Apolo XI.
O
ator Buda Lira, também cajazeirense, deu seus primeiros passos na dramaturgia
justamente nos quintais e nas calçadas do município, quando de sua experiência
com o Grupo Terra, montado junto com seus irmãos, Bertand, Nanego e Soia.
“Participamos do grupo que fez a campanha para a construção desse teatro”,
recorda.
Anos depois, mais experiente e residindo em João Pessoa, retornou ao Ica para se apresentar com dois espetáculos importantes em sua trajetória como ator: O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá, de 1992, e A Gaivota (Alguns Rascunhos), de 2007, ambos produzidos pelo Grupo Piollin, do qual passou a fazer parte. Buda atesta a importância desse teatro, considerando sua localização no interior do estado. “Acho que não chega a 5% o número de municípios brasileiros que possuem, oficialmente, casas de espetáculos”, declara.
Rivelino Martins, também ator e natural de Cajazeiras, conheceu dona Ica por meio de artistas contemporâneos à primeira-dama do teatro cajazeirense, como Larcy Nogueira. Com quase 40 anos dedicados à arte, encenou novas versões de espetáculos que, no passado, foram dirigidos por ela, como A Incelença, escrito por Luiz Marinho. “Era tida como uma mulher além do seu tempo, no nosso Sertão paraibano. Seja no teatro, na comunicação radiofônica e na política”, pontua.
Nos primeiros anos, o teatro chegou a ser administrado, via modelo de comodato, pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), mas, atualmente, o Ica é gerido pela Fundação Espaço Cultural da Paraíba (Funesc). Rivelino ressalta que o vínculo com o Governo do Estado garantiu, em 2018, uma reforma que trouxe melhorias diversas, como a ampliação do número de lugares disponíveis, de 174 para 285.
“Ganhamos
iluminação e sonorização modernas e uma sala de ensaios. A partir daí,
companhias de teatro de outros estados do Brasil, que estiveram no Ica,
consideram um dos mais modernos e equipados do Nordeste”, informa.
Desde o ano passado, o teatro é gerido por Iza Nonato, produtora e gestora cultural nascida em Cajazeiras. Na juventude, acompanhou os espetáculos que eram encenados no palco do Ica. Depois de alguns anos residindo na capital, retornou à sua cidade de origem para coordenar o espaço. Dentre as ações que fizeram parte desse aniversário de 40 anos, estão a construção de uma galeria fotográfica, que rememora peças e demais eventos que marcaram essas quatro décadas de existência, e uma exposição de figurinos e objetos utilizados por dona Ica em espetáculos históricos.
Iza
enaltece a programação que tomou conta do teatro na última semana, incluindo
recital de Jessier Quirino e a montagem de Beiço de Estrada, texto clássico do
dramaturgo Eliezer Rolim. A gestora assevera que as comemorações continuam até
o fim do mês com a grade do projeto Férias Funesc, que fornecerá ações
culturais gratuitas voltadas para as crianças e adolescentes da rede pública de
ensino (confira no quadro ao lado).
“O
Ica representa não apenas um espaço de expressão cultural, mas também um
instrumento de preservação da história e da identidade local. Ele tem um papel
fundamental na formação de público e na promoção de artistas da região”,
sustenta Iza.
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